sexta-feira, 10 de abril de 2015

Conto - Glória à Nossa Pátria Livre






Glória à Nossa Pátria livre

Hoje é dia 24 de novembro de 1963. Meu nome é Lee Harvey Oswald. Tenho 24 anos. Estou na cadeia municipal de Dallas, Texas. Eu estou morrendo.

Nasci em Dallas, Texas. Desde criança eu tive uma vida difícil. Meu pai morreu alguns meses depois que nasci e minha mãe criou eu e mais dois irmãos sozinha, por isso eu morei em vinte e duas cidades diferentes e já estudei em 12 escolas. Os professores me consideravam um “aluno difícil” e falavam para minha mãe que eu era uma criança reservada e temperamental, por isso eu comecei a frequentar psicólogos e psiquiatras bem cedo. Eu tinha oito anos quando um psiquiatra me diagnosticou com um desvio de personalidade patente, com características esquizoides e tendências passivo-agressivas, até hoje eu nunca entendi o que ele quis dizer com isso, só sei que depois disso comecei a tomar remédios que me deixavam com sono.

Pelas dificuldades financeiras que tínhamos, quando eu tinha quinze anos, minha mãe me deixou em um orfanato por treze meses. Como era do lado da biblioteca pública, muitas noites eu fugia do orfanato para roubar alguns livros. Eu não sabia escrever e soletrar muito bem, mas minha leitura era rápida e precisa, nunca perceberam que faltavam livros, mas eu sempre devolvia. A seção que chamou mais a minha atenção foi a área da sociologia, lá eu conheci Karl Marx, um filósofo e sociólogo, que com a ajuda de Friedrich Engels desenvolveu vários livros que falavam sobre os ideais socialistas e os problemas capitalistas. Eu me apaixonei pelos ideais marxistas, eu queria viver o socialismo, queria ser um cidadão soviético.

Meu irmão Robert fazia parte da Guarda Costeira, eu o venerava e ele sempre me deixava usar o anel de fuzileiro. Eu me sentia forte, importante e poderoso sempre que eu o colocava entre meus dedos. Com 17 anos, antes de completar o ensino médio, eu me alistei no Corpo de Fuzileiros Navais.

No treinamento de fuzileiro fui treinado com rifle M1 Garand, realmente havia nascido para isso, tinha uma boa mira, posição de braço e desenvoltura com uma arma. Mas devido aos problemas psicológicos, minha principal posição era de operador de radar. Na época me senti desvalorizado, era um cargo sem muita importância, mas o que eu não sabia era que as informações que tinha com esse cargo seriam de suma necessidade para mim um dia.

Após a formação do curso eu fui realocado para a base aérea de El Toro, Califórnia. Foi a primeira vez que vi o mar. Lindo, azul e infinito aos nossos olhos. Gostava do clima de lá, mas só fiquei por três meses naquela base, pois viram que desempenhava brilhantemente o meu trabalho, então me mandaram para Atsugi, Japão, porque era a base que comandava os aviões espiões que sobrevoavam a União Soviética. Foi nesse período que descobri a preciosidade das informações que tinha como operador do radar. Certo dia estava lendo escondido O Manifesto Comunista e ouvi uma conversa entre dois fuzileiros, o pouco que escutei já deu para entender que os dois estavam passando informações das bases militares estadunidenses para o governo soviético, isso me interessou muito e fui atrás deles. O modo mais fácil que achei foi chamá-los e mostrar o livro que estava lendo, porque era um dos livros mais conhecidos de Marx e citei um trecho que havia decorado:
 “Os comunistas não se rebaixam a ocultar suas opiniões e os seus propósitos. Declaram abertamente que os seus objetivos só poderão ser alcançados pela derrubada violenta de toda ordem social existente. Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista. Nela, os proletários nada têm a perder a não ser suas prisões, tem um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos”.

Deixei bem claro que queria ajudar a União soviética como um espião na base, ainda mais com as informações do radar que sabia, era o instrumento perfeito. E assim se passou dois anos, tudo que achava importante eu passava para um dos fuzileiros e eles encaminhavam para o governo soviético.

Comecei a estudar russo por conta própria, todos os livros ficavam escondidos e os estudos eram feitos na madrugada, enquanto todos estavam dormindo, estava estudando, assim as minhas poucas horas de sono foram reduzidas há 3 horas por dia, mas por algum motivo o sono não me abatia. Economizei 1.500 dólares do meu salário. E para ser dispensado antes do tempo obrigatório dei a desculpa de que a minha mãe estava doente, era uma mentira porque desde quando comecei o curso de fuzileiro eu não falava mais com ela, às vezes via meu irmão e acho que ele avisava a minha mãe de como estava. Tirei um passaporte, enviei currículos fictícios para diversas universidades europeias para eu conseguir um visto de estudante. Estava determinado a morar na União Soviética.

Depois de alguns meses finalmente consegui um visto de estudante que permitia minha entrada no mundo socialista. Quando cheguei, deixei bem claro a minha agencia de viajem que gostaria de me tornar um cidadão soviético, o que causou certo espanto as pessoas, mas me auxiliaram com as documentações, dias depois recebi um aviso dizendo que meu pedido de cidadania foi negado. Entrei em desespero, não sabia mais o que fazer da minha vida. E com um pensamento momentâneo entrei na banheira do hotel e cortei meu pulso, a única coisa que queria naquele momento era a morte. Quando eu comecei a ficar tonto, uma faxineira abriu a porta e viu a minha situação, ela chamou os seguranças, eles chegaram e ligaram para o hospital, tudo foi ficando escuro, as vozes longes, estava calmo e pronto para a morte. Minha visão começou a clarear e me vi em um lugar todo branco e Karl Marx na minha frente, me olhando com um olhar indiferente. Queria falar o quanto o admirava, mas a minha voz não saia, então Marx falou:
 “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.”

Acordei gradativamente e de repente no hospital, com uma bolsa de sangue sendo injetada em mim, meu pulso estava enfaixado e minha cabeça doía. Tinha um homem em pé ao meu lado. Ele se identificou dizendo que era do governo soviético e queria ter uma conversa comigo. Ele perguntou quais informações eu trazia das terras americanas. Eu disse:
 “Estão fazendo testes de bombas de hidrogênio, o que tudo indica é que pode causar um estrago maior do que as bombas nucleares, os Estados Unidos também criou uma organização espacial, mais conhecida como NASA, mas até hoje não fez grandes avanços e o governo americano está influenciando a tecnologia bélica.”
 Ele disse: “Sr. Oswald, a União Soviética tem estudos mais avançados que os Estados Unidos sobre o espaço e nós acreditamos no nosso potencial bélico, mas ainda assim o governo Soviético agradece pelos seus serviços durante sua estadia na base militar dos Estados Unidos, e reze para que o seu governo não nos ataque.”

Após me recuperar e passar por alguns exames psíquicos, procurei a embaixada dos Estados Unidos em Moscou para renunciar a minha cidadania americana. Então me mandaram para Minsk, empregaram-me em uma fábrica de eletrônicos, morava em um apartamento mobiliado pela empresa e recebia um grande beneficio da Sociedade Russa da Cruz Vermelha.

 Nessa época conheci Marina Prusakova em um baile de ano novo, era uma linda estudante de farmácia por quem me apaixonei, tinha cabelos loiros e olhos azuis, sua pele era branca e suave, como se o sol nunca tivesse encostado em sua linda pele, morava com os tios, por que os pais haviam morrido de um acidente de carro, mas apesar disso era sorridente, feliz com a vida e eu sentia que meu sentimento por ela era recíproco. Após seis meses que nos conhecemos a pedi em casamento, não tinha nada a perder, nosso relacionamento era forte e era isso o que queria para a minha vida. Ela aceitou e não teve festa, o importante era estar com ela. Um ano mais tarde nasceu nosso filho, June.
Depois de quase um ano de espera e burocracia dos meus documentos para me tornar um cidadão soviético, nós decidimos ir morar nos Estados unidos. Providenciamos toda a documentação e embarcamos. Quando chegamos eu vi muitos repórteres vindo em minha direção, e apesar da bagunça, consegui entender algo como: “ Como você se sente sendo chamado de o ‘Americano que havia desertado para a União Soviética e voltou’?”
Estava muito confuso com tudo aquilo e sai sem falar nada. Fomos para a casa da minha mãe em Dallas, Texas. Comecei a escrever sobre as minhas memórias da vida soviética, porque sentia que precisava passar esse conhecimento para alguém, o havia denominado de The Collective, mas como nos últimos anos minha dislexia piorou foi muito complicado escrever três paginas, então desisti e fui viver mais um pouco.
Eu não queria que Marina aprendesse a falar inglês, pois ela era a única coisa que me restava da União Soviética, mas o vizinho tentava interagir e ela tentava entender, isso fez com que uma crise de ciúmes invadisse minha mente por alguns meses e comecei a espancá-la, a minha sorte era que ela me amava muito e não me deixou por isso. Ela só poderia ser minha e de mais ninguém, era a única lembrança da minha terra soviética. Ai que saudade da minha terra.

Certo dia eu recebi uma carta que dizia:
“Prezado Sr. Oswald,
O senhor deve ter conhecimento de que nos Estados Unidos existem muitos espiões soviéticos em pontos estratégicos do país, pois estamos vivendo em uma época que os governantes chamam de Guerra Fria, o que nada mais é uma expressão para uma guerra diplomática entre Estados Unidos e União Soviética, mas é uma guerra indireta, pois não há sangue derramado, mas o país que consistir um maior poder bélico e tecnologia espacial é o mais importante e perigoso. É uma época de ameaças constantes, a qualquer momento pode ocorrer a terceira guerra mundial, mas para que isso não ocorra, nós colocamos espiões para que não sejamos surpreendidos.
Temos espiões dentro da Casa Branca, pessoas de confiança do presidente americano fazem parte do nosso plano de espionagem, e ontem eu soube que o presidente John Fitzgerald Kennedy irá fazer um tour pelo país para fazer sua campanha de reeleição, e uma das cidades que está ele irá passar vai ser Dallas, Texas. E é ai que precisamos de você. Sabemos que você tem uma grande desenvoltura com rifle M1 Garand, e nós queremos que você tenha a honra de matar o presidente dos Estados Unidos.
Se você estiver interessado nesse convite vá até a biblioteca pública, do outro lado da rua tem um banco virado de frente para a mesma. Como sabemos que você conhece aquela região muito bem, também sabe que existe um buraco em baixo do banco, lá haverá uma carta. Se isso não lhe interessa, simplesmente ignore e continue a sua vida. A União Soviética pede seu sigilo sobre esse assunto.

                                                                               Att. Sua Terra Querida”
Fui imediatamente para a biblioteca municipal. La sentei no mesmo bando de quando eu tinha 15 anos e lia os livros escondidos na madrugada. Peguei a carta que estava dentro do buraco e comecei a ler:
“Prezado Sr. Oswald,
Se você está lendo essa carta é porque aceitou a nossa proposta. Nós já temos um plano, só precisamos que você o execute com perfeição.
No dia 22 de novembro 1963 ás 12:30 horas, o presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy, irá passar com um carro aberto pela avenida principal de Dallas. Você tem três meses até essa data. Nesse tempo você vai conseguir um emprego na única livraria que tem nessa avenida, ela tem seis andares, você vai conseguir a confiança da dona para que ela deixe que você feche a loja esse dia. Você irá para o telhado no prédio e é de lá que você irá matar o presidente enquanto ele estiver passando na avenida. Mas tem que ser um tiro certeiro.
Nós sabemos que se os Estados Unidos descobrirem que estamos por trás desse ataque irá ocorrer a terceira guerra mundial, então se você desistir, falhar ou for preso, infelizmente nós teremos que te matar, pelo bem do mundo.
A União Soviética agradece a sua ajuda.

                                                                               Att. Sua Terra Querida”

No dia seguinte eu fui até a livraria indicada e levei um currículo. A dona me aceitou e disse que estava a dias procurando alguém para esse cargo. Minha função era arrumar os livros novos que chegavam, e eu gostava muito de fazer, eu sempre via os lançamentos.  Até o dia eu fui ganhando a confiança de todos.
Quando o dia 22 de novembro chegou, todos da cidade estavam eufóricos e eu estava concentrado. Na noite anterior eu havia deixado a arma dentro da livraria, e como planejado, hoje eu iria fechar a livraria. Estava tudo certo.
Minutos antes da hora combinada eu fui até o telhado e comecei a preparar meu apoio e colocar as balas na arma. Eu não estava nervoso. Só o que passava pela minha cabeça era concluir o meu objetivo.
As pessoas já estavam esperando a passagem do presidente, muita gente iria ver o meu amor a União soviética.
Vi de longe o carro presidencial vindo. Preparei a arma. Mirei no presidente. E atirei. Eu havia errado a mira, ela acertou a garganta do presidente, mas isso não era o suficiente, eu deveria concluir meu objetivo perfeitamente. Atirei. E o presidente dos Estados Unidos estava morto com uma bala na cabeça.

Desci correndo as escadas. Joguei a arma no rio que passava atrás da livraria. Eu escutava o grito da multidão na rua. Sai pelos fundos e fui ver um filme. Não sei como, mas a policia me pegou dentro do cinema e me levaram direto para a prisão municipal.
La dentro eu estava pensando em quem iria me matar. Mas não estava com medo. Aceitei o desafio sabendo desse perigo. Estou com a consciência limpa. Iria ser removido para uma prisão federal, afinal, havia matado o presidente John Fitzgerald Kennedy.
E hoje, dia 24 de novembro, é o dia que vão me remover para outra prisão. Eu estava dormindo e acordei com um bilhete em cima de mim:
“Prezado Sr. Oswald,
Nós achamos que o senhor saiba que teremos que lhe matar. Isso vai acontecer hoje durante sua remoção. Irá ter muitos repórteres, se você quiser dizer suas ultimas palavras nós o daremos essa oportunidade.
Agradecemos o gigantesco favor que você nos prestou. Agora sim, você é um cidadão soviético.
                                                                               Att. Sua Terra Querida”

Chegou a hora da minha remoção. Os guardas vieram me algemar. Acompanharam-me até fora da prisão. Realmente havia muitos repórteres. E eu sabia que se eu falasse agora, seriam as minhas ultimas palavras. Então citei a frase que ouvi no sonho:
“Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” “E meu ser social nesse momento é de um cidadão aceitado pela sua Terra Querida.”

 Escutei o barulho de um tiro. Senti dores no peito esquerdo. Uma lágrima de patriota caiu sobre o meu rosto. Dizem que quando se está morrendo nós revemos toda nossa vida como um filme em um piscar de olhos.


Hoje é dia 24 de novembro de 1963. Meu nome é Lee Harvey Oswald. Tenho 24 anos. Estou na cadeia municipal de Dallas, Texas. Eu estou morrendo....





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