quinta-feira, 9 de abril de 2015

Conto - Pripyat

Ricardo M. Shipitoski     



PRIPYAT


 


           Certa vez, no Leste Europeu, havia uma pequena cidade chamada Pripyat. Nessa cidade tudo estava normal. Era um dia calmo. Logo em sua chegada, havia uma floresta típica de regiões temperadas. Era outono, as folhas das arvores estavam todas amareladas e alaranjadas, apenas aguardando a chegada do inverno, onde todas elas começavam a cair formando um verdadeiro tapete de matéria orgânica, o inverno dali era muito frio e úmido, e sempre resultava em neve, cobrindo todos os galhos já sem folhas. Os animais não tinham muita liberdade por ali, pois a prática da caça era muito comum, principalmente de cervos. Nem todas as pessoas trabalhavam por ali, pois a falta de emprego nessa cidade era muito comum. Uma das poucas empresas que geravam a renda dessas pessoas era uma Usina Nuclear chamada Chernobyl.
            Andriy era o gerente da Usina. Ele acordou bem cedo naquele dia, com a intenção de iniciar as operações planejadas o mais rápido possível, pois o seu dono era muito rigoroso em relação à produção de energia de sua empresa. O dono da empresa se chamava Kostyantyn. Era um homem rude, arrogante, de personalidade forte e não respeitava ninguém. Muitos não gostavam dele, mas Andriy era um caso a parte. Ele o odiava do fundo do coração.
            Andriy tirava o seu sustento daquele emprego, se saísse dele passaria fome juntamente com sua mulher e seu dois filhos. O primeiro filho tinha uma doença degenerativa e corria risco de morte, então sair de seu emprego naquele momento seria literalmente fatal. Os remédios usados por ele eram bastante caros, mas Andriy mesmo assim não media esforços e comprava os medicamentos necessários. O Governo não fornecia remédios para quem tivesse essa doença, pois era muito rara a sua ocorrência naquela região.
            A esposa de Andriy não podia trabalhar, porque tinha que ficar em casa cuidando do filho mais velho. O segundo filho estudava em período integral e ia todo dia para a escola. Eles moravam em um bairro pobre da cidade, pois a maioria do salário de Andriy era gasto em remédios. Na casa a presença de luxo era quase nula. A primeira coisa que se reparava ao entrar na casa era um sofá muito antigo feito de couro, ao lado tinha uma pequena estante com alguns objetos e prêmios que Andriy ganhou durante a sua vida por ser sempre muito esforçado em tudo que faz, havia uma porta a direita que levava até a cozinha e outra a esquerda que levava até os quartos.
            Chegando à Usina, Andriy se depara primeiramente com Kostyantyn. Eles trocam olhares profundos. O clima fica tenso em menos de um segundo. O atrito naquele momento é inevitável. Andriy encara o dono da Usina com olhar de ódio, as suas pupilas se dilatam de maneira incrível, as suas sobrancelhas quase se unem em um movimento horizontal, as suas pálpebras se retraem, os pelos de sua nuca arrepiam, a sua boca treme e Andriy produz um gemido imperceptível a quem estava a sua volta. Já Kostyantyn, apenas olha fixamente para Andriy com a expressão de quem procura entender o que está acontecendo, mas que por dentro sabe exatamente do que se trata.
            Andriy todo dia era maltratado por Kostyantyn. Todo dia ele pensava em se vingar. Mas a preocupação e o amor por seu filho o faziam mudar de ideia. O seu amor por ele era imensurável. E quanto mais os dias iam se passando, cada vez mais eles se aproximavam um do outro, cada vez mais eles entendiam um ao outro, ou seja, cada vez mais estavam mais íntimos um do outro.
            Kostyantyn fez uma reunião naquele dia. A sua intenção era de somente demonstrar o seu poder aos seus funcionários e mostrar do que ele é capaz. E, como sempre, o resultado de seu discurso caiu sobre Andriy, que apenas pode abaixar a cabeça e se humilhar para ele diante de todos. Algumas pessoas acharam isso uma crueldade, mas não se manifestaram justamente com medo de o que estava acontecendo com Andriy recaírem também sobre eles.
            Andriy passou o resto do dia pensativo. Não conversou com mais ninguém. A única coisa que poderia fazer era sofrer calado. A necessidade de continuar ali era expressivamente enorme, e de suma importância. Chegando a sua casa, sua esposa percebeu que havia algo de errado com seu esposo e foi logo perguntar.
— Andriy, o que aconteceu hoje com você para estar desse jeito? – disse a sua esposa.
— Nada de mais. – Andriy não queria que sua esposa ficasse preocupada com ele – Ocorreu tudo normalmente.
            De fato Andriy não estava mentindo, pois todo dia era humilhado e massacrado por Kostyantyn na Usina em que trabalhava. Não se sabia ao certo porque ele era o principal alvo do dono da Usina em suas demonstrações de poder. Mas o que todos diziam é que Kostyantyn desconfiava que Andriy houvesse roubado dinheiro do cofre, que fica no escritório da Usina, há alguns meses atrás. Andriy, mesmo que necessário, não tinha capacidade de cometer tal delito. Muitas vezes ele era observado por pessoas dentro da Usina com olhares de critica e suspeitas. Seus amigos dentro da empresa também se afastaram dele com medo de a punição também sobressair a eles.
            No outro dia Andriy já tinha esquecido um pouco do ocorrido no dia anterior, pois logo depois que falou com sua mulher, recebeu um abraço de seu filho mais velho. Um abraço caloroso, cheio de amor e inocência. Era o melhor consolo que Andriy poderia receber naquele momento. Essa ação lhe deu forças pra continuar e erguer a cabeça novamente.
            Entrou de cabeça erguida, mas com um pouco de receio, pois a qualquer momento poderia ver-se obrigado a abaixá-la novamente. E suas suspeitas estavam corretas. Kostyantyn escolheu o momento em que o maior número de pessoas possível estava circulando naquele local para realizar a sua sequência de humilhações. Andriy rapidamente voltou a se retrair emocionalmente naquele momento.
            A Usina ficava afastada da cidade, mais precisamente três quilômetros longe da ultima residência. A Usina era considerada uma das maiores do mundo e uma das mais bonitas também. De fachada usava um enorme painel eletrônico. Toda ela era pintada de branco e cinza. O melhor arquiteto foi contratado para projetar a Usina para dar um tom de delicadeza para tentar mascarar os problemas ambientais causados por ela. A Usina tinha cinco reatores, algo inédito naquela região e que indicava o grande potencial daquela empresa de produção de energia.
            Ao fim do dia, Andriy chega a sua casa com a mesma expressão do dia anterior. Sua esposa especula mais ainda. Andriy não aguenta e desabafa, diz tudo que está acontecendo. Sua esposa fica indignada. Ela insiste para que ele saia do emprego. Mas Andriy a convence de que tudo isso é por seu filho, e que essa é a sua única opção.
             A esposa de Andriy não dorme naquela noite. A única coisa que consegue fazer é pensar nas coisas pelas quais seu marido está passando em seu trabalho. Mas ao mesmo tempo reflete na importância desse emprego.
            No outro dia Andriy se prepara normalmente para seu trabalho. O dia parece estar lindo. Os pássaros cantam. A brisa suave, vinda do sentido Leste-Oeste, refresca o local. Correntes de ar, vindas do sentido Sul, se chocam com a brisa dando a impressão de que a mesma é destruída. As folhas caem das árvores. Caçadores profissionais não param de surgir. O céu está limpo. Nada de nuvens ou tempestade. Tudo que pode se esperar é um dia perfeito. Mas não para Andriy, que já sabe o que lhe aguarda. Seu destino é cruel. A estrada de terra que leva até a Usina estava toda coberta de folhagens. Não dava para ver o chão de tantas folhas que estavam ali presentes. A roda do ônibus passa despedaçando as folhas que caíram com tanta leveza, pelo simples fato de ser pouca coisa mais pesada que o ar.
            Andriy muitas vezes se sente como aquelas folhas. Sente que apenas foi usado para a sobrevivência de alguém muito maios do que ele para depois ser descartado e depois pisado e atropelado pelas pessoas. Andriy ainda não foi descartado, mas já prevê o seu fim. Naquele dia estava aflito, temia o que poderia acontecer. Não sabia por que, mas podia sentir isso pulsando dentro de sua alma.
            Quando desceu do ônibus, sentiu na sola de seu sapato que a terra estava fofa, pois ali não era local de transito de caminhões pesados. O vento trazia consigo cheiro de carvalho. O Sol estava radiante. E Andriy apreciava a estrutura física da Usina, desde os seus toques e curvas delicados até as quinas mais grosseiras.
            Todo o clima foi quebrado quando Kostyantyn chama Andriy para comparecer a sua sala. Andriy estava com os nervos à flor da pele. Naquele momento passava mil coisas por segundo em sua mente. Já sabia o seu destino. Já tinha noção do que havia de acontecer naquele momento.
            Andriy não hesitou, e foi logo comparecer à sala de Kostyantyn para saber do que se tratava. A sala era repleta de luxo. Esculturas enchiam o lugar e davam um toque moderno ao local, pois não eram esculturas antigas e sim esculturas que representavam a tecnologia, a riqueza e o poder que ele possuía em relação a qualquer um que ali adentrasse.
            Kostyantyn pediu-lhe gentilmente que se sentasse. Andriy admirou a ação dele. Mas sabia de seus planos. Um enorme questionário foi feito a Andriy. Quase todas as respostas das perguntas era negativa. Mas uma delas se destacou. E a pergunta dizia assim: “Você estava no escritório no dia que roubaram o cofre e naquela mesma hora?”. Andriy não poda mentir, tal ação seria contra seus princípios. Então a resposta de Andriy foi: “Sim, eu estava no escritório nesse dia e nesse mesmo horário. Eu estava com o meu colega de trabalho chamado Yozhef.”
            Naquele momento Kostyantyn teve um ataque de nervos e humilhou Andriy o máximo que pode. Despediu-o na mesma hora. Não deu nem tempo de deixar Andriy terminar de se explicar.
            Andriy se revoltou fortemente. Saiu rapidamente da sala. Bateu a porta com muita força. Kostyantyn não se preocupou com nada. Mas esse foi o seu maior erro. Após certo tempo ninguém sabia onde estava Andriy.
            Andriy estava programando os reatores para explodirem. Estava transtornado. Esqueceu de tudo que ocorria na sua vida naquele momento e só pensava em vingança. Não pensava que isso poderia matar todo mundo da cidade mesmo que a essa distância da população. As conseqüências de sua ação seria devastadora.
            Quando Andriy percebeu que havia conseguido sai rapidamente da Usina. Rouba um carro e vai em direção a sua casa para tentar fugir da cidade o mais rápido possível. Chegando a sua casa todos estavam lá, pois o filho mais novo estava doente e não pode ir à escola naquele dia. Eles fogem rapidamente da cidade.
            Por algum motivo, apenas o Reator3 explode. Não foi o suficiente para matar todo mundo. Mas foi o suficiente para ser necessário a evacuação da cidade em menos de um dia. Pois a contaminação por radiação era muito alta. O fogo demorou mais de uma semana para ser controlado. Muito mais da metade das pessoas que trabalharam para controlar o fogo morreram em curto ou em longo prazo por causa da grande quantidade de radiação recebida por eles.
            Depois de muitos anos após a explosão, os sinais de radiação na cidade de Pripyat ainda são significativos o suficiente para causar riscos à saúde humana. O lugar virou uma cidade fantasma. A floresta não é mais verde, e sim avermelhada por causa dos raios.
            Kostyantyn faliu e perdeu tudo. Desde dinheiro até poder. Muitas vezes pensou em tirar sua própria vida, mas faltava forças. Ele pagou o preço por julgado alguém sincero, honesto e que sempre estava dizendo a verdade.

            O ex-colega de trabalho de Andriy, por nome Yozhef, estava com a consciência pesada por ter causado tantos problemas.

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