Ricardo M. Shipitoski
PRIPYAT
Certa
vez, no Leste Europeu, havia uma pequena cidade chamada Pripyat. Nessa cidade
tudo estava normal. Era um dia calmo. Logo em sua chegada, havia uma floresta
típica de regiões temperadas. Era outono, as folhas das arvores estavam todas
amareladas e alaranjadas, apenas aguardando a chegada do inverno, onde todas
elas começavam a cair formando um verdadeiro tapete de matéria orgânica, o
inverno dali era muito frio e úmido, e sempre resultava em neve, cobrindo todos
os galhos já sem folhas. Os animais não tinham muita liberdade por ali, pois a
prática da caça era muito comum, principalmente de cervos. Nem todas as pessoas
trabalhavam por ali, pois a falta de emprego nessa cidade era muito comum. Uma
das poucas empresas que geravam a renda dessas pessoas era uma Usina Nuclear
chamada Chernobyl.
Andriy
era o gerente da Usina. Ele acordou bem cedo naquele dia, com a intenção de
iniciar as operações planejadas o mais rápido possível, pois o seu dono era
muito rigoroso em relação à produção de energia de sua empresa. O dono da
empresa se chamava Kostyantyn.
Era um homem rude, arrogante, de personalidade forte e não respeitava
ninguém. Muitos não gostavam dele, mas Andriy era um caso a parte. Ele o odiava
do fundo do coração.
Andriy tirava o seu sustento daquele
emprego, se saísse dele passaria fome juntamente com sua mulher e seu dois
filhos. O primeiro filho tinha uma doença degenerativa e corria risco de morte,
então sair de seu emprego naquele momento seria literalmente fatal. Os remédios
usados por ele eram bastante caros, mas Andriy mesmo assim não media esforços e
comprava os medicamentos necessários. O Governo não fornecia remédios para quem
tivesse essa doença, pois era muito rara a sua ocorrência naquela região.
A esposa de Andriy não podia
trabalhar, porque tinha que ficar em casa cuidando do filho mais velho. O
segundo filho estudava em período integral e ia todo dia para a escola. Eles
moravam em um bairro pobre da cidade, pois a maioria do salário de Andriy era
gasto em remédios. Na casa a presença de luxo era quase nula. A primeira coisa
que se reparava ao entrar na casa era um sofá muito antigo feito de couro, ao
lado tinha uma pequena estante com alguns objetos e prêmios que Andriy ganhou
durante a sua vida por ser sempre muito esforçado em tudo que faz, havia uma
porta a direita que levava até a cozinha e outra a esquerda que levava até os
quartos.
Chegando à Usina, Andriy se depara
primeiramente com Kostyantyn. Eles trocam olhares profundos. O clima fica tenso
em menos de um segundo. O atrito naquele momento é inevitável. Andriy encara o
dono da Usina com olhar de ódio, as suas pupilas se dilatam de maneira
incrível, as suas sobrancelhas quase se unem em um movimento horizontal, as
suas pálpebras se retraem, os pelos de sua nuca arrepiam, a sua boca treme e
Andriy produz um gemido imperceptível a quem estava a sua volta. Já Kostyantyn,
apenas olha fixamente para Andriy com a expressão de quem procura entender o
que está acontecendo, mas que por dentro sabe exatamente do que se trata.
Andriy todo dia era maltratado por
Kostyantyn. Todo dia ele pensava em se vingar. Mas a preocupação e o amor por
seu filho o faziam mudar de ideia. O seu amor por ele era imensurável. E quanto
mais os dias iam se passando, cada vez mais eles se aproximavam um do outro,
cada vez mais eles entendiam um ao outro, ou seja, cada vez mais estavam mais
íntimos um do outro.
Kostyantyn fez uma reunião naquele
dia. A sua intenção era de somente demonstrar o seu poder aos seus funcionários
e mostrar do que ele é capaz. E, como sempre, o resultado de seu discurso caiu
sobre Andriy, que apenas pode abaixar a cabeça e se humilhar para ele diante de
todos. Algumas pessoas acharam isso uma crueldade, mas não se manifestaram
justamente com medo de o que estava acontecendo com Andriy recaírem também sobre
eles.
Andriy passou o resto do dia
pensativo. Não conversou com mais ninguém. A única coisa que poderia fazer era
sofrer calado. A necessidade de continuar ali era expressivamente enorme, e de
suma importância. Chegando a sua casa, sua esposa percebeu que havia algo de
errado com seu esposo e foi logo perguntar.
—
Andriy, o que aconteceu hoje com você para estar desse jeito? – disse a sua
esposa.
—
Nada de mais. – Andriy não queria que sua esposa ficasse preocupada com ele – Ocorreu
tudo normalmente.
De fato Andriy não estava mentindo,
pois todo dia era humilhado e massacrado por Kostyantyn na Usina em que
trabalhava. Não se sabia ao certo porque ele era o principal alvo do dono da
Usina em suas demonstrações de poder. Mas o que todos diziam é que Kostyantyn
desconfiava que Andriy houvesse roubado dinheiro do cofre, que fica no
escritório da Usina, há alguns meses atrás. Andriy, mesmo que necessário, não
tinha capacidade de cometer tal delito. Muitas vezes ele era observado por
pessoas dentro da Usina com olhares de critica e suspeitas. Seus amigos dentro
da empresa também se afastaram dele com medo de a punição também sobressair a
eles.
No outro dia Andriy já tinha
esquecido um pouco do ocorrido no dia anterior, pois logo depois que falou com
sua mulher, recebeu um abraço de seu filho mais velho. Um abraço caloroso,
cheio de amor e inocência. Era o melhor consolo que Andriy poderia receber
naquele momento. Essa ação lhe deu forças pra continuar e erguer a cabeça
novamente.
Entrou de cabeça erguida, mas com um
pouco de receio, pois a qualquer momento poderia ver-se obrigado a abaixá-la
novamente. E suas suspeitas estavam corretas. Kostyantyn escolheu o momento em
que o maior número de pessoas possível estava circulando naquele local para
realizar a sua sequência de humilhações. Andriy rapidamente voltou a se retrair
emocionalmente naquele momento.
A Usina ficava afastada da cidade,
mais precisamente três quilômetros longe da ultima residência. A Usina era
considerada uma das maiores do mundo e uma das mais bonitas também. De fachada
usava um enorme painel eletrônico. Toda ela era pintada de branco e cinza. O
melhor arquiteto foi contratado para projetar a Usina para dar um tom de
delicadeza para tentar mascarar os problemas ambientais causados por ela. A
Usina tinha cinco reatores, algo inédito naquela região e que indicava o grande
potencial daquela empresa de produção de energia.
Ao fim do dia, Andriy chega a sua
casa com a mesma expressão do dia anterior. Sua esposa especula mais ainda.
Andriy não aguenta e desabafa, diz tudo que está acontecendo. Sua esposa fica indignada.
Ela insiste para que ele saia do emprego. Mas Andriy a convence de que tudo
isso é por seu filho, e que essa é a sua única opção.
A esposa de Andriy não dorme naquela noite. A
única coisa que consegue fazer é pensar nas coisas pelas quais seu marido está
passando em seu trabalho. Mas ao mesmo tempo reflete na importância desse
emprego.
No outro dia Andriy se prepara
normalmente para seu trabalho. O dia parece estar lindo. Os pássaros cantam. A
brisa suave, vinda do sentido Leste-Oeste, refresca o local. Correntes de ar,
vindas do sentido Sul, se chocam com a brisa dando a impressão de que a mesma é
destruída. As folhas caem das árvores. Caçadores profissionais não param de
surgir. O céu está limpo. Nada de nuvens ou tempestade. Tudo que pode se
esperar é um dia perfeito. Mas não para Andriy, que já sabe o que lhe aguarda.
Seu destino é cruel. A estrada de terra que leva até a Usina estava toda
coberta de folhagens. Não dava para ver o chão de tantas folhas que estavam ali
presentes. A roda do ônibus passa despedaçando as folhas que caíram com tanta
leveza, pelo simples fato de ser pouca coisa mais pesada que o ar.
Andriy muitas vezes se sente como
aquelas folhas. Sente que apenas foi usado para a sobrevivência de alguém muito
maios do que ele para depois ser descartado e depois pisado e atropelado pelas
pessoas. Andriy ainda não foi descartado, mas já prevê o seu fim. Naquele dia
estava aflito, temia o que poderia acontecer. Não sabia por que, mas podia
sentir isso pulsando dentro de sua alma.
Quando desceu do ônibus, sentiu na
sola de seu sapato que a terra estava fofa, pois ali não era local de transito
de caminhões pesados. O vento trazia consigo cheiro de carvalho. O Sol estava
radiante. E Andriy apreciava a estrutura física da Usina, desde os seus toques
e curvas delicados até as quinas mais grosseiras.
Todo o clima foi quebrado quando
Kostyantyn chama Andriy para comparecer a sua sala. Andriy estava com os nervos
à flor da pele. Naquele momento passava mil coisas por segundo em sua mente. Já
sabia o seu destino. Já tinha noção do que havia de acontecer naquele momento.
Andriy não hesitou, e foi logo
comparecer à sala de Kostyantyn para saber do que se tratava. A sala era
repleta de luxo. Esculturas enchiam o lugar e davam um toque moderno ao local,
pois não eram esculturas antigas e sim esculturas que representavam a
tecnologia, a riqueza e o poder que ele possuía em relação a qualquer um que
ali adentrasse.
Kostyantyn pediu-lhe gentilmente que
se sentasse. Andriy admirou a ação dele. Mas sabia de seus planos. Um enorme
questionário foi feito a Andriy. Quase todas as respostas das perguntas era
negativa. Mas uma delas se destacou. E a pergunta dizia assim: “Você estava no
escritório no dia que roubaram o cofre e naquela mesma hora?”. Andriy não poda
mentir, tal ação seria contra seus princípios. Então a resposta de Andriy foi:
“Sim, eu estava no escritório nesse dia e nesse mesmo horário. Eu estava com o
meu colega de trabalho chamado Yozhef.”
Naquele momento Kostyantyn teve um
ataque de nervos e humilhou Andriy o máximo que pode. Despediu-o na mesma hora.
Não deu nem tempo de deixar Andriy terminar de se explicar.
Andriy se revoltou fortemente. Saiu rapidamente
da sala. Bateu a porta com muita força. Kostyantyn não se preocupou com nada.
Mas esse foi o seu maior erro. Após certo tempo ninguém sabia onde estava
Andriy.
Andriy estava programando os
reatores para explodirem. Estava transtornado. Esqueceu de tudo que ocorria na
sua vida naquele momento e só pensava em vingança. Não pensava que isso poderia
matar todo mundo da cidade mesmo que a essa distância da população. As
conseqüências de sua ação seria devastadora.
Quando Andriy percebeu que havia conseguido
sai rapidamente da Usina. Rouba um carro e vai em direção a sua casa para
tentar fugir da cidade o mais rápido possível. Chegando a sua casa todos
estavam lá, pois o filho mais novo estava doente e não pode ir à escola naquele
dia. Eles fogem rapidamente da cidade.
Por algum motivo, apenas o Reator3
explode. Não foi o suficiente para matar todo mundo. Mas foi o suficiente para
ser necessário a evacuação da cidade em menos de um dia. Pois a contaminação
por radiação era muito alta. O fogo demorou mais de uma semana para ser
controlado. Muito mais da metade das pessoas que trabalharam para controlar o
fogo morreram em curto ou em longo prazo por causa da grande quantidade de
radiação recebida por eles.
Depois de muitos anos após a
explosão, os sinais de radiação na cidade de Pripyat ainda são significativos o
suficiente para causar riscos à saúde humana. O lugar virou uma cidade fantasma.
A floresta não é mais verde, e sim avermelhada por causa dos raios.
Kostyantyn faliu e perdeu tudo.
Desde dinheiro até poder. Muitas vezes pensou em tirar sua própria vida, mas
faltava forças. Ele pagou o preço por julgado alguém sincero, honesto e que
sempre estava dizendo a verdade.
O ex-colega de trabalho de Andriy,
por nome Yozhef, estava com a consciência pesada por ter causado tantos
problemas.
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